Quando cheguei à Ribeira da Craquinha, a primeira impressão
foi de alguma apreensão.
Muitos cãos abandonados (alguns esqueléticos, outros
estropiados ou feridos), casas cinzentas com ar inacabado e/ou degradado, lixo, moscas.
A primeira noite na casa dos voluntários foi marcada
pelo intenso ladrar dos cães, mesmo junto à janela do meu quadro. Se de dia dormitavam
pacificamente ao sol, à noite, organizavam-se em matilhas e pareciam lutar pelo
território.
Embora trouxesse na bagagem uma vontade inabalável de
me adaptar, não pude deixar de pensar: “Onde te vieste meter, António?” Ainda
assim, vencido pelo cansaço, adormeci profundamente.
Casa dos voluntários (os dois primeiros pisos).
No dia seguinte, houve reunião com o Frei Silvino e fiquei
a conhecer o centro da Craquinha, algumas crianças, monitores e
coordenadores.
Seguiu-se o centro da Pedra Rolada.
Todos os dias conhecia novas pessoas e os amigos
dessas pessoas e até os amigos dos amigos dessas pessoas.
Conheci os pais das crianças e cruzava-me com elas em múltiplos espaços. Ouvia uma vozinha gritar "António!" e seguia-se uma corrida para apressar os abraços e beijinhos. Uma vez, encontrei o Mauro na papelaria. Quando me viu, veio encostar-se a mim, pegou-me na mão e pô-la sobre a sua cabeça. E fiquei ali emocionado em silêncio a olhar para ele. Trocámos um sorriso e despedi-me dele com um "Porta-te bem!" Nesse momento percebi a razão de estar ali.
Através dos contactos da Bia, conheci o grupo que costumava organizar atividades, algumas bem radicais. Participámos nessas
atividades e partilhámos as nossas alegrias de viver, as nossas vidas e os
nossos sonhos.
Quando saíamos à noite com o Jay, o Alex e o Andi (mais
uma vez, um contacto social desbravado pela Bia) e circulávamos pela Craquinha,
tínhamos a sensação de conhecer toda a gente. Os sorrisos, os abraços e os afetos,
a par do café partilhado todas as noites na casa dos voluntários com os três amigos acima referidos (para
o Andi, café com leite) instalaram-se nos nossos corações e tínhamos uma nova rotina de vida como se não houvesse amanhã.
Mas, como sabemos, o futuro é imparável...
Chegou, num ápice, o último dia na Ribeira da
Craquinha. Os beijos, abraços e o tocar de mãos deram corpo a despedidas emotivas.
Os cães abandonados continuavam lá, tal como o lixo,
as moscas e o cinzento das casas, mas aquele já era o espaço dos que eu
conhecia e com quem tinha partilhado alegrias, perpetivas e sonhos. Estavam ali os meus novos amigos.
Saí com o coração apertado, dizendo para mim mesmo que
iria voltar. Pensei instintivamente na conhecida frase do escritor Saint-Exupéry:
Só se vê bem com o coração,
o essencial
é invisível para os olhos.
Abraço.
ProfAP
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