13/09/18

Missão Cabo Verde VIII – Um banho inesquecível!

Por respeito pela moral e bons costumes, excecionalmente, não publico foto alusiva ao assunto do post

Ontem, depois de vos ter contado o episódio do David, segui para a praia da Laginha para tomar o meu segundo banho desde que cheguei a Cabo Verde.
Saco ao ombro, lá fui, ao longo da estrada, a sonhar com a frescura das águas azul-claras.
Chegado ao local, estendi a toalha na areia. Mal tirei a t-shirt e os calções, reparei que duas jovens estavam a olhar para mim e a disfarçar o riso. Quando olhei também para mim, apercebi-me que estava de cuecas. Com a pressa de sair de casa, esqueci-me de vestir os calções de banho.
E ali fiquei a pensar numa saída airosa para a situação. Cheio de vontade de ir para a água e ao mesmo tempo apreensivo, pois as cuecas, tipo sunga, têm o elástico um pouco largo e destinavam-se a ser abatidas do guarda-roupa depois uma ou duas utilizações.
-- És um homem ou um rato? – perguntei mentalmente a mim mesmo. Sem convicção, optei pela segunda hipótese…
Voltei a vestir os calções e procurei uma zona mais ou menos vazia.
Chegado ao sítio que me pareceu perfeito, voltei a tirar os calções. Olhei para as cuecas e disse-lhes mentalmente que iam ter uma despedida em grande…
E fui prà água. Nadei para a direita e para a esquerda, mergulhei e flutuei.
Passados uns dez minutos, saí da água, apercebendo-me de imediato que, com o peso da água, o fato de banho improvisado estava com vontade de me cair para os joelhos. A agravar a situação, já havia pessoas sentadas de um lado e do outro das minhas coisas. Segurando-as tão discretamente quanto possível, numa triste figura de gato pingado, lá fiz o percurso entre a água e a toalha nas minhas cuecas azuis com losangos brancos.
Mal me deitei de costas, fechei os olhos e entreguei-me às carícias mornas do sol do final de tarde.
Depois de ter passado pelas brasas, abri os olhos e verifiquei que já não havia pessoas nem de um lado nem do outro. Vesti-me e apanhei o autocarro 10 para voltar à Ribeira da Craquinha.
Uma animação!
Abraço.
ProfAP

12/09/18

Missão Cabo Verde VII – Onde vamos pôr o hipopótamo?


Recebemos hoje a nossa mais pequena “freguesa”: a Ariene (no canto, ao colo da Bia), que vai fazer dois aninhos em breve. Para já, assumiu o papel de observadora atenta. Mas o objetivo é pô-la a fazer redações o mais rapidamente possível! ;)

Uma das atividades da sessão desta manhã foi a organização de “O meu dicionário privativo”. Em folhas A4 com linhas, todos escreveram o nome e o título. A seguir, recordámos em coro (o que é sempre uma festa) o alfabeto e cada um escreveu as 26 letras das entradas do dicionário. Como não poderia deixar de ser, para alimentar as veias artísticas de palmo e meio, cada criança pintou e alindou cada letra.

Terminado o embelezamento, foi explicado o que era para fazer. A partir do dia de hoje, tirava-se à sorte, todos os dias, um tema para que os meninos e meninas encontrassem palavras e as registassem na entrada respetiva.
Feito o sorteio, saiu o tema “animais”, o que agradou a todos. Como exemplo, demos a palavra “gato” que todos escreveram na entrada “G”. E ao trabalho!
No silêncio que se fez (coisa rara por aqui), ouviu-se uma vozinha vinda do fundo da sala:
-- Hipopótamo!
Era o Davi (identificado com uma seta na imagem), muito decidido, na pequenez dos seus seis anos.
Perguntei-lhe:
-- E onde vamos pôr o hipopótamo, Davi?
Sem demora, veio a resposta:
-- “Ná” selva!
A rir-me que nem um perdido, lá consegui dizer-lhe:
-- Tens toda razão, na selva é que o hipopótamo está bem. Mas em que letra vais escrever a palavra?
-- “Ágá”!
-- Muito bem, Davi. Está certíssimo!
Uma animação!

Um abraço com o melhor de Cabo Verde, ou seja, a morabeza!
ProfAntónio

11/09/18

Missão Cabo Verde VI - Catchupa ta na lume!


Olá!
Tudo a correr sobre rodas no trabalho com as crianças e jovens e nas formações de professores para que tenho sido solicitado. 
Hoje, tivemos um momento particularmente animado no centro da Ribeira da Craquinha (onde estou esta semana com a minha colega Bia) quando dissemos às crianças que íamos servir uma catchupa (termo crioulo) imaginária. Colocámos em latas vazias (de salsichas, feijão e grão) frases com as palavras cortadas e servimos uma cachupa a cada um, devendo eles pôr as palavras no sítio, reconstituindo as frases. Gostaram tanto que amanhã querem mais. Vamos servir cachupa rica aos mais velhos (duas frases complexas) e pobre aos mais pequenos (uma frase simples).
Uma animação!
Recorrendo ao crioulo, bijin!
ProfAP

08/09/18

Missão Cabo Verde V - Fim da primeira semana!

Monte Cara (ver a seta), um dos ex-libris da cidade do Mindelo

Aqui fica a segunda história, que as crianças ainda não conhecem. O Pablo é um colaboradores do Espaço Jovem e é mesmo assim como a personagem da história, um jovem idealista com um coração de ouro! Abraço a todos. ;)



História de uma estrela-do-mar chamada Estrelinha

Era uma vez uma estrelinha-do-mar chamada Estrelinha muito brincalhona.
Era pequenina, mas, para uma estrela-do-mar, era muito desembaraçada e corria em todas as direções no fundo do mar.
É caso para dizer que não parava quieta e, quando ela passava, todos sorriam e diziam sempre:
-- Então, Estrelinha, feliz como sempre?
-- Ya! – dizia ela enquanto mastigava as suas algas preferidas como se fossem pastilha elástica.
Estava sempre a fazer das suas. Dançava e dava cambalhotas diante da moreia Dentuça, o que era perigoso, pois a moreia, com os seus dentes enormes e aguçados, não era para brincadeiras.
Pregava sustos ao choco Malaquias que, apanhado de surpresa, lançava tinta em todas as direções.
Fazia cócegas na barriga cinzenta do atum Tonecas que não resistia e não parava de rir.
A vida da Estrelinha era sempre assim: mil e uma brincadeiras e receber carinhos e muitos beijinhos e abraços a toda a hora. Dito por outras palavras, era feliz e fazia felizes todos os que a conheciam.
Um dia em que estava a brincar às escondidas com o carapau Juvenal, a sardinha Nelita e a cavala Milu, foi apanhada na rede de um pescador.
De início, nem se apercebeu do que estava a acontecer, mas quando foi atirada para a areia da praia Laginha pelo pescador sem coração, muito triste, começou a chorar baixinho….
Chorou, chorou, chorou, mas parecia que ninguém ia ajudar a Estrelinha.
Quando tudo parecia perdido, sentiu o toque suave de uma mão a apanhá-la da areia com muito carinho.
Era o Pablo, um jovem sonhador, com um coração de ouro e um amor infinito por todos os seres vivos, plantas ou animais.
Olhou para a estrela-do-mar e disse-lhe ao ouvido:
-- Vou pôr-te já na água e vais ficar boa!
Com voz sumida, ela respondeu:
-- Obrigada, mas é demasiado tarde. O sol secou-me a pele e não posso voltar ao mar. Leva-me contigo, amigo querido, e a conchega-me contra o teu coração. Neste momento, o teu amor é o conforto de que preciso.
Pablo, com os olhos cheios de lágrimas, levantou a t-shirt amarela e, delicadamente, pôs a Estrelinha junto ao peito.
Andou sem destino pelas ruas do Mindelo, enquanto a sua nova amiga, embalada pelas batidas do coração dele (pum-pum, pum-pum, pum-pum), adormeceu profundamente.
Sentou-se num banco de jardim na Praça Nova e, vencido pelo cansaço que a tristeza sempre traz, adormeceu também.
Quando o sol foi para a caminha dormir e veio a noite escura, Pablo acordou e, instintivamente, levou a mão ao peito. Estremeceu quando se apercebeu de que a estrelinha-do-mar tinha desaparecido.
Como um louco, começou a andar de um lado para o outro e a gritar:
-- Estrelinha! Estrelinha, onde estás? Ó meu Deus, como é que fui adormecer assim. Nunca me vou perdoar! Estrelinha! Estrelinha! Estrelinha!
Quando já desesperava, ouviu uma vozinha que não sabia de onde vinha:
-- Psst, psst. Tou aqui…
-- És tu, Estrelinha? Tás onde?
-- Olha para cima. Tou aqui!
Ele olhava para cima, mas não a vendo em lado nenhum, ficou muito confuso.
-- Olha para o céu, Pablo. Vou fazer-te um sinal.
Quando olhou, ele viu uma estrelinha pequenina a piscar.
-- Mas… co… como é possível? – gaguejou ele com toda a alegria do mundo.
-- Não podia voltar ao mar, mas o teu amor por mim era tão forte que aconteceu um milagre: junto ao teu peito, transformei-me numa estrela a sério e voei para o céu. Tenho muitas companheiras de brincadeira, mas o meu melhor amigo és tu, Pablo!
E ficaram os dois ali a conversar o resto da noite. Ele de pé, sobre o banco de jardim e ela debruçada na varanda do céu.
E todas as noites era assim: conversas sem fim.
Ainda hoje, sentado no tanque de pedra, que ele próprio construiu num terreno no Vale da Lua, junto ao Monte Verde, Pablo passa as noites a falar de tudo e mais uma coisa com a Estrelinha.
E vão ser felizes para sempre!

António Pereira (6-09-2018)

07/09/18

Missão Cabo Verde IV - Em ação!

As minhas colegas voluntárias Bia e Helena em ação.


Apesar das limitações (falta de materiais e termos de construir atividades de um dia para o outro), o trabalho está a decorrer satisfatoriamente. A Bia e a Helena no Centro da Ribeira da Craquinha e a Márcia e eu no Centro Pedro Rolada. Nas próximas semanas, vamos rodar as equipas e os locais de trabalho.
As crianças estão sedentas de afeto. Algumas vêm a correr esperar-nos ao caminho para nos darem abraços e beijinhos. Põem as mãozinhas nas nossas e já não nos querem largar. A custo, lá conseguimos pô-las em modo trabalho. Adoram desenhar e atividades lúdicas, o que é natural. Como temos ao mesmo algumas muito pequeninas, que ainda não sabem falar, outras que não sabem escrever e um outro caso de deficit cognitivo, temos de recorrer ao milagre da desmultiplicação de estratégias.
Como gosto de escrever (embora nunca o tivesse feito para crianças), construí uma pequena história em que a personagem central é um dos coordenadores dos centros (o Máxi) que todas as crianças conhecem. A mãe dele, que também entra na história, chama-se mesmo Filó.
Foi um sucesso e depois de uma atividade de compreensão, enquanto lhe contávamos a história, fizeram todos desenhos relacionados com o mar. Já há novo conto em fase de conclusão ("Uma estrela-do-mar chamada Estrelinha"), que partilharei mais tarde, pois só temos acesso à net quando vamos à cidade a um café com wi-fi.
Abraço da Ribeira da Craquinha (com chuva todos os dias, para gáudio de todos, pois tal não acontecia há dois anos).
ProfAP

Máxi, um menino traquina

Era uma vez um menino chamado Máxi. Tinha cinco anos e nunca parava quieto.
Um dia, apanhou a mãe distraída e fugiu de casa.
Andou, andou, andou, até que chegou ao porto onde atracam os barcos que vão para Santo Antão.
Ficou ali parado a ver as pessoas as saírem e a entrarem no barco e a olhar para a sua grande paixão: o mar imenso…
Imaginou-se um peixe a nadar velozmente ou mesmo uma gaivota com duas grandes asas abertas a voar no céu azul e a ver lá de cima o mar também azul.
Era tão pequenino que as pessoas que iam e vinham nem reparavam nele.
De repente, ouviu-se ao longe um grito ameaçador:
-- Máxi, meu malandro, vem cá que vais levar com o chinelo.
Era a mãe, a D. Filó.
Embora os pais nunca na vida lhe tivessem batido, o Máxi ficou tão atrapalhado que escorregou e caiu do cais, mergulhando na água como uma pedra.
Mas ninguém sabe como, começou a esbracejar e nadou como um campeão até à ilha de Santo Antão.
Juntou-se muita gente no cais a ver aquela coisa espantosa nunca antes vista.
Quando Máxi regressou ao cais do Mindelo, sempre a nadar, foi aplaudido com palmas e ouviram-se frases muito bonitas: “Viva o Máxi!”, “O Máxi é um campeão!”, “O Máxi é o nosso herói!”
Sem ligar ao que lhe diziam, o menino correu para a mãe e abraçou-se às suas saias com as lágrimas nos olhos.
Olhou para ela e disse:
-- Mãe, já sou grrrande!
Ela baixou-se, olhou para ele e, com um grande sorriso, respondeu:
-- És sim, meu filho. Devias levar com o chinelo, mas, como nadaste tão bem, vais deliciar-te com uma catchupa de cevada e cuscus-bolo que a mamã vai fazer especialmente para ti.
Deu-lhe a mão e foram para casa muito felizes!

António Pereira (5-09-2018)

01/09/18

Missão Cabo Verde III - o pequeno-almoço...


Foi-me dito que o pequeno-almoço seria servido a partir das 7h30. Levantei-me perto das 9h00 mas ao chegar à saleta onde a refeição seria servida, nada nem ninguém. Esperei impaciente e faminto até que às 9h30 apareceu a jovem funcionária muito sorridente a perguntar-me se tinha dormido bem e a perguntar-me se queria que me servisse o pequeno-almoço. Intrigado, disse-lhe que sim.
Passados 20 minutos, foi servido o banquete que a imagem documenta, com um pormenor curioso que a seta assinala na imagem: a manteiga e dois doces servidos em cálices de licor.
Entretanto na rádio, depois um sinal sonora ouça a locutora dizer "oito hora de parmanhã". Não atualizei a hora. Como aqui são duas horas mais cedo, levantei às 7h00 e não às 9h00...
Regalei-me, pois não a que horas vou poder almoçar. Na alegria do repasto, com a minha habitual descoordenação, caiu-me uma rodela de chouriço nos calções. A tentar apanhá-lo, pressionei-a contra o tecido e fiquei com uma nódoa enorme em sítio pouco conveniente...
Daqui a uns minutos, chegará o Frei Silvino e irei para o alojamento na Ribeira da Craquinha.
Quando voltar a ter internet, darei mais notícias.
Abraços!


Missão Cabo Verde II - Chegada ao Mindelo!


Depois de uma aterragem sem sobressaltos 15 minutos antes do horário previsto, esperava-me um calor húmido (mas nada que se pareça com a Guiné-Bissau) e um vento fortíssimo. Seguindo o conselho que me deram, pedi o visto à entrada. O processo foi rápido e mais económico do que em Portugal (25€).
Enquanto procurava a Sueli (que me iria buscar ao aeroporto), fui interpelado por uma voz imponente: “Sênhor António!” Era o Frei Silvino, um franciscano italiano que vive em Cabo Verde há 23 anos, presidente do Espaço Jovem, organização não governamental, sem fins lucrativos, sediada no Mindelo desde 2003. A associação desenvolve uma intervenção sociocultural com a juventude da periferia da cidade, em zonas carenciadas, complicadas, onde, em tempos, nem a polícia se atrevia a entrar. A associação agrega dois espaços onde irei colaborar: Centro de Protagonismo Juvenil da Ribeira da Craquinha (perto do qual ficarei alojado a partir de amanhã com mais três voluntárias da associação “Para Onde?”) e Cooperativa Jovem da Pedra Rolada.
Depois de acondicionar todas as malas, maletas, sacos e saquinhos no carro do Frei Silvino (verdadeira peça de museu de um modelo Fiat que nunca tinha visto), lá fomos para a cidade, também na companhia do jovem cabo-verdiano Paulo, colaborador do Espaço Jovem. Numa reunião sobre rodas, apresentámo-nos (quem éramos, donde vínhamos, para onde queremos ir) e recebi vasta e útil informação sobre o Espaço Jovem. Além do voluntariado, descobrimos uma paixão comum aos três: formas de cultivo alternativo de hortas biológicas.
Cheguei ao Hotel Basic (excelente, considerando o baixo custo), na parte alta da cidade, ao início da tarde. Da janela do quarto, a vista de uma bananeira e de uma papaieira,  encostadinhas uma à outra, encheram-me a alma de verde. Um verdadeira cenário de poesia japonesa haiku:

Depois uma sesta de uma hora, um almoço no quarto que me soube divinalmente: uma daquelas massas chinesas que é só juntar água a ferver (ando sempre na mala com um pequeno jarro elétrico, comprado há muitos anos, que tem uma tripla função: confecionar refeições, fazer chá ou café e aquecer água para a barba), uma laranja da minha horta que viajou comigo e um café Delta com uma minifogaça de Alcochete, onde vive a minha mãe.
E chegou a hora de descer à cidade na minha primeira e única tarde na condição de turista... Depois de trocar alguns € por escudos de Cabo Verde (1€ = 110 esc.), serpenteei sem destino certo de olhos e alma abertos ao que viesse. De tudo o que vi, aqui ficam algumas imagens.


 Edifício do Museu do Mar (réplica da Torre de Belém)

Embora por vezes sem informação sobre as peças apresentadas e de não ser (para mim) evidente o critério seguido na organização do espaço, achei muito interessante a inclusão de vários poemas sobre o mar. No último piso, a vista sobre a cidade é magnífica!
Museu do Mar

O PESCADOR QUE SONHA E PESCA

Alma que morre com salitre
no nó da garganta
com sonhos que são
salpicos de água no anzol de luar

Morre com a carcaça no peito
e linha na mão
pescado no sonho
e… salpicos de água e sonho
nos olhos…

Bota a linha
e morre sonhando
com peito cheio de peixes e graúdos
com olhos de mulher e filhos
dinheiro e pão

E morre ainda pescando
com a linha presa na mão.
Mário Lúcio – Set. 1983
In Revista Ponto & Vírgula n.º 7-84

A cidade vista do alto do Museu do Mar 

Cheios de cor, os edifícios estão sempre prontos para a folia do Carnaval (na opinião de muitos, o mais importante de Cabo Verde)

A beleza discreta...

Numa cenário irreal a prenunciar a bênção da muita chuva que iria cair durante a noite, a ilha de Santo Antão...

Abraço.
ProfAP