Depois
de uma aterragem sem sobressaltos 15 minutos antes do horário previsto,
esperava-me um calor húmido (mas nada que se pareça com a Guiné-Bissau) e um
vento fortíssimo. Seguindo o conselho que me deram, pedi o visto à entrada. O
processo foi rápido e mais económico do que em Portugal (25€).
Enquanto
procurava a Sueli (que me iria buscar ao aeroporto), fui interpelado por uma
voz imponente: “Sênhor António!” Era o Frei Silvino, um franciscano italiano
que vive em Cabo Verde há 23 anos, presidente do Espaço Jovem, organização não
governamental, sem fins lucrativos, sediada no Mindelo desde 2003. A associação
desenvolve uma intervenção sociocultural com a juventude da periferia da
cidade, em zonas carenciadas, complicadas, onde, em tempos, nem a polícia se
atrevia a entrar. A associação agrega dois espaços onde irei colaborar: Centro
de Protagonismo Juvenil da Ribeira da Craquinha (perto do qual ficarei alojado a partir de amanhã com mais três voluntárias da associação “Para Onde?”) e Cooperativa Jovem da
Pedra Rolada.
Depois
de acondicionar todas as malas, maletas, sacos e saquinhos no carro do Frei
Silvino (verdadeira peça de museu de um modelo Fiat que nunca tinha visto), lá
fomos para a cidade, também na companhia do jovem cabo-verdiano Paulo, colaborador do
Espaço Jovem. Numa reunião sobre rodas, apresentámo-nos (quem
éramos, donde vínhamos, para onde queremos ir) e recebi vasta e útil informação
sobre o Espaço Jovem. Além do voluntariado, descobrimos uma paixão comum aos três:
formas de cultivo alternativo de hortas biológicas.
Cheguei
ao Hotel Basic (excelente, considerando o baixo custo), na parte alta da
cidade, ao início da tarde. Da janela do quarto, a vista de uma bananeira e de uma
papaieira, encostadinhas uma à outra, encheram-me a alma de verde. Um verdadeira
cenário de poesia japonesa haiku:
Depois
uma sesta de uma hora, um almoço no quarto que me soube divinalmente: uma
daquelas massas chinesas que é só juntar água a ferver (ando sempre na mala com
um pequeno jarro elétrico, comprado há muitos anos, que tem uma tripla função:
confecionar refeições, fazer chá ou café e aquecer água para a barba), uma
laranja da minha horta que viajou comigo e um café Delta com uma minifogaça de
Alcochete, onde vive a minha mãe.
E
chegou a hora de descer à cidade na minha primeira e única tarde na condição de
turista... Depois de trocar alguns € por escudos de Cabo Verde (1€ = 110 esc.),
serpenteei sem destino certo de olhos e alma abertos ao que viesse. De tudo o
que vi, aqui ficam algumas imagens.
Edifício do Museu do Mar (réplica da Torre de Belém)
Embora por vezes sem informação sobre as peças apresentadas e de não ser (para mim) evidente o critério seguido na organização do espaço, achei muito interessante a inclusão de vários poemas sobre o mar. No último piso, a vista sobre a cidade é magnífica!
Museu do Mar
O PESCADOR QUE SONHA E PESCA
Alma que morre com salitre
no nó da garganta
com sonhos que são
salpicos de água no anzol de luar
Morre com a carcaça no peito
e linha na mão
pescado no sonho
e… salpicos de água e sonho
nos olhos…
Bota a linha
e morre sonhando
com peito cheio de peixes e graúdos
com olhos de mulher e filhos
dinheiro e pão
E morre ainda pescando
com a linha presa na mão.
Mário Lúcio – Set. 1983
In Revista Ponto & Vírgula n.º 7-84
A cidade vista do alto do Museu do Mar
Cheios de cor, os edifícios estão sempre prontos para a folia do Carnaval (na opinião de muitos, o mais importante de Cabo Verde)
A beleza discreta...
Numa cenário irreal a prenunciar a bênção da muita chuva que iria cair durante a noite, a ilha de Santo Antão...
Abraço.
ProfAP
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