Apresentação de Karyna Gomes, uma das referências
da música moderna guineense, num artigo de Nuno Pacheco publicado no jornal Público, em 7 de novembro de 2014 (foi mantida a ortografia original: AO45).
Guiné-Bissau tem uma nova
voz: Karyna Gomes. Vem juntar-se a um lote de músicos que têm vindo a mostrar-se
ao mundo, como Manecas Costa, Justino Delgado ou Eneida Marta. (…)
Karyna nasceu em Bissau, a
13 de Fevereiro de 1976, dois anos após a independência. "Sou daquela leva
de bebés que nasceu dos filhos dos ex-combatentes". E foi em Bissau que
fez os estudos, primários e secundários. Isto até 1994. "Depois trabalhei
um ano, enquanto esperava uma oportunidade para prosseguir os estudos, porque
não havia universidade em Bissau. Até que, em 1996, fui contemplada com uma
bolsa do governo brasileiro, do Itamarati, para fazer um curso de jornalismo na
Universidade Católica de São Paulo." E foi para o Brasil. Nesse período, o
seu país tremeu. "Houve a tal guerra de 98, que devastou a minha cidade e
afectou a minha família, porque perdemos a nossa casa no conflito." Isso
levou-a a ficar mais um ano no Brasil do que o previsto, para lá dos quatro
anos que durara o curso. E isso abriu-lhe as portas à música. "Comecei a
cantar num coro gospel, numa igreja evangélica de São Paulo, e fui convidada
depois para ser solista. Foi aí que comecei a cantar. E não parei, até
hoje."
Mas entretanto voltou para
a Guiné, logo que pôde. "Lembro-me de ter recebido o diploma do curso e
querer coltar logo. Eu sabia que havia muitas lacunas no sector da comunicação
e queria ajudar. E acho que consegui dar algum contributo." Quando voltou,
em 2001, foi para a delegação da RTP-África até o então presidente Kumba Ialá
ter decidido fechá-la. Depois foi para a rádio e apanhou, é ela que o diz,
"o bichinho da rádio". Antes, trabalhara como correspondente da
Associated Press e colaborou com o jornal A Semana, de Cabo Verde. Na rádio
atraiu-a a comunicação para o desenvolvimento. "Tinha uma abordagem
específica que passava por ir ao terreno e criar uma forma de trabalhar em
parceria com os comunicadores radiofónicos locais, porque há uma forma própria,
específica, de fazer rádio em África."
Em termos de experiências
paralelas à música, não iria parar por aí. Depois da rádio, onde esteve até
2008, ainda fez assessoria de imprensa na Unicef, mas sempre em Bissau.
"Foi um trabalho interessante, aprendi muita coisa. Mas não fiquei mais
porque senti que isso me iria tirar da música." Onde ela já estava, aliás,
desde o seu regresso. "Houve um reencontro, meu, com a música urbana da
Guiné. Dentro do contexto religioso, porque a igreja que eu passei a frequentar
na Guiné já não tinha um coro gospel, no formato negro-americano, mas música
sacra em crioulo e outras línguas da Guiné. E achei que isso tinha mais a ver
comigo."
Primeiro começou a cantar
num restaurante, em 2005, impulsionada por uma prima, depois foi convidada a
integrar o grupo Super Mama Djombo. Mas não quis gravar logo. Achou que devia
começar primeiro um processo de investigação na música. "Fui para a rádio
nacional consultar as pessoas, o Super Mama Djombo foi decisivo porque é um
grupo histórico da Guiné-Bissau. Aprendi muito com todos eles, sobretudo com a
primeira geração do grupo."
Vozes do mundo
Mas é a sua ida para
Lisboa, "cansada da rotina da comunicação" e desejosa de fazer um
mestrado, que lhe abre o caminho para gravar o primeiro disco. Conheceu a
Get!Records, hoje a sua editora, e apresentou-lhe uma "maquetezinha
caseira". "Eles gostaram a acharam que tinham ali material para
trabalhar." Por isso avançou com o disco e só depois completará a tese.
"O tema que eu escolhi tem a ver com música, porque a música teve um papel
fundamental na mobilização da juventude urbana para as grandes causas
nacionais, a começar pela independência."
O disco de Karyna Gomes
reflecte isso, em termos sonoros. "Quando medito no meu trabalho, vejo que
este primeiro disco é essencialmente uma genealogia da música urbana guineense.
Porque eu canto em crioulo e mesmo a música mais tradicional que eu fiz no
disco, que é o Nha cunhada, é uma música da cidade, embora ainda não tenha
nenhum instrumento ocidental. O único instrumento ocidental que entra na música
urbana da Guiné é o acordeão, que está muito ressente no disco."
Por isso, ela insiste
nesta ideia: "Aqui não vejo nada de étnico, mas sim da música urbana.
Quando pego num tema que o Zé Manuel Fortes fez em 1978, ponho um pianoforte e
faço uns improvidos de gospel, tenho um coro. E isso já tem a ver com os
processos de identificação da minha parte. Porque eu nasci na Guiné-Bissau mas
a minha mãe é cabo-verdiana, o meu pai é guineense, os meus tios-avós tinham
uma estante cheia de discos cubanos e brasileiros, de bossa nova. Ora por causa
dessas influências já lá de casa (o meu pai sempre ouviu muita música do mundo
todo, cubana, brasileira, americana), em pequena ouvi muito Michael Jackson,
Whitney Houston, Toni Braxton e esses nomes da música pop americana, mas também
do soul, do jazz e do rhythm’n’blues e isso acabou por influenciar a minha
musicalidade. Em Bissau, as pessoas da minha geração estão contentes, porque
ainda não tinham encontrado ninguém que tivesse a ousadia de gravar um disco
que trouxesse aquilo que nós ouvíamos: o funk, o soul, o groove americano, isso
misturado com às outras coisas de base da nossa música."
Conheça a música de Karyna Gomes no Youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=Ng4i_3sg45w
https://www.youtube.com/watch?v=KBIU73OeCs8
https://www.youtube.com/watch?v=tSSylKquZ7M
https://www.youtube.com/watch?v=a5oat4XOmqY
https://www.youtube.com/watch?v=tT6sQCut11g
https://www.youtube.com/watch?v=sBel6B9_vsc
https://www.youtube.com/watch?v=LrMSEfTCx_Y
Abraço.
ProfAP
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