23/09/16

Voluntário na guiné 11: aventura em Cumeré!


Eu, qual franciscano da língua portuguesa, entre os dois colegas professores de Português, na tal parada que serviu de inspiração para escrever o haiku.

A realização do curso tem despertado vivo interesse. De vez que em quando vêm pessoas, sobretudo jovens, visitar-me à sala, pedindo sugestões de atividades e materiais para poderem aperfeiçoar os seus conhecimentos de língua portuguesa. Há uma semana, recebi a visita de um major guineense que é professor de Português no exército da Guiné. Considerando as condições que ele e outro professor trabalham (sem fotocópias e com apenas quadro, giz e um manual desatualizado), queria saber se eu podia dar sugestões de caráter prático para rentabilizar o trabalho e gerar aprendizagens duradouras. Com os poucos recursos que tinha tentei dar-lhe algum conforto e solidariedade, prometendo organizar algumas ideias simples numa filosofia “se não tens cão, caça com gato, com rato ou até com as pulgas do rato”.
Passados uns dias, novo pedido, agora do comandante da cooperação militar portuguesa e do tenente guineense que supervisiona o curso: seria possível disponibilizar uma hora do meu tempo para falar sobre língua portuguesa aos 100 militares que frequentam o curso? Uma espécie de motivação para professores e alunos. Embora não fizesse na altura ideia do que poderia dizer a tão incomum plateia, pus o meu melhor sorriso e disse que o faria com todo o gosto.
E lá chegou o dia da palestra em Cumeré (para Norte, a cerca de duas horas de Bissau).
Fomos para um refeitório da época colonial com mesas de cimento e sem quadro. Das fotocópias previstas só uma foi tirada em tempo útil. 15h30, um calor e humidade extremas. Achei que ia ser um fracasso. A transpirar até nos sítios mais inconvenientes (!), percebi que não havia recuo. E lá me atirei à palestra. Aqueles duzentos olhos a branquejar num mar de negro, olhavam pra mim, mas não reagiam às graças que eu ia introduzindo aqui e ali.
Nas sugestões para uma expressão oral eficiente, dei-lhes como modelo a seguir o presidente Obama. Até o imitei nos gestos, no olhar e na postura. Só faltou pintar-me de negro. Reação? Não houve.
Quando cheguei às sugestões para a escrita, questionei-me interiormente se deveria fazer o que tinha previsto: incentivá-los a escrever pequenas coisas num caderno: ideias, reflexões e… poemas.
Vencendo as reticências, falei da filosofia subjacente aos poemas japoneses (haiku) e do modo de construção. Tudo falado, uma vez que não havia quadro…  Li dois que se adaptavam à paisagem e clima guineenses.
Apontei para a parada (todos seguiram o meu gesto com a cabeça) e disse que tinha ali alinhavado um haiku dedicado a todos eles:
  A parada ao sol
  Contempla o azul do céu.
  A chuva cairá!
Para concluir a incursão pela poesia, apontei para uma pedra escura que tinha em cima da minha mesa e citei de forma livre Sebastião da Gama, dizendo o poeta é aquele que afasta a pedra áspera e escura (afastei a pedra) e mostra a flor que há por detrás. E apareceu a florinha amarela que tinha colhido momentos antes do início da sessão.
Encharcado em transpiração e com uma cascata de gotas de suor a caírem-me da testa para os olhos, olhei para eles à procura de sinais de aprovação para aquela encenação. Nada!
Pensei para comigo: "Vou mas é encerrar esta m... que já vi que isto já deu o que tinha a dar!"
Assim fiz. Como levava o meu pequeno computador e um aluno do curso em Bissau me tinha emprestado umas colunas, pus o "Se eu voltasse atrás" (Pólo Norte), tendo antes dado sugestões sobre como poderiam desenvolver as competências de compreensão oral com canções portuguesas.
Como a acústica do edifício era má, pedi ao militar que estava à minha frente para pôr as mãos no ar a servir de suporte ao computador. Pus uma coluna em cada mão e levantei os braços em pose de Cristo crucificado (era como me sentia...).
Pouco depois de a música estar a tocar, comecei a mexer os braços para trás e diante e a simular uns passinhos de dança ao ritmo da canção. Ato contínuo, levantaram os braços a imitar-me e pouco depois deram-me... uma salva de palmas! Fiquei de boca aberta, literalmente de queixo caído.
Aproveitando a maré, passei também o Boss Ac (hip hop) com "Estou vivo e vivo".
Chamei um dos profs de Português para junto de mim. Pus-lhe uma coluna na mão, abracei-o e dançámos os dois. Foi a desbunda total: palmas, dança, fotografias, gargalhadas sonoras. Uma festa!
No final, um jovem pediu para falar. Quis, em nome de todos os colegas, agradecer a minha ida ao quartel e a palestra que, segundo ele, irá ser muito útil a todos. Acrescentou que gostava de escrever umas coisinhas, mas sempre tinha tido dúvidas se era algo que devesse fazer. Com a minha intervenção, não tinha mais dúvidas e iria passar a escrever. Mais palmas e o coração a derreter-se-me numa fraqueza emotiva tão forte, que tive de fazer um esforço e peras para conter uma lagrimita que teimava em querer sair. Agradeci dizendo que as palavras acabadas de proferir eram a melhor recompensa para o meu trabalho. Uma medalha valiosa! Tinha entrado civil e ia sair dali um general. Riram-se muito.
Logo de seguida, uma jovem militar pediu para ler um poema (não sei se escrito na sessão). Botou um vozeirão e leu um manifesto revolucionário (amanhã, dia 24, é a comemoração da data da independência, proclamada pelo PAIGC unilateralmente em 1973).
Depois de assistir aos treinos (a marcharem e a cantarem uma canção) para o desfile em que vão participar nas comemorações, lá vim aos solavancos nos buracos da estrada de regresso a Bissau.

Missão cumprida!
Abrasu.

António


16/09/16

Voluntário na Guiné 10: eu e o PAIGC!


Ficou assim a sobremesa de frutos tropicais!

1956: Ano de grandes colheitas. Enquanto no dia 15/9 vim ao mundo, três dias depois, nasceu o PAIG. Completamos ambos 60 anitos. Para comemorar, recebi no alojamento quatro amigos. A Edite (médica), a Rosário (enfermeira), como eu, voluntárias da Gulbenkian, e dois militares: o Comandante Madureira (da Cooperação Militar Portuguesa) e o Lona (oficial e instrutor do exército guineense).

O jantar foi um sucesso. Depois das entradas (delícia de cenoura c/ alho e pasta de tomate com coentros e pimenta cá da terra pra barrar no pão) o prato principal, elogiado pelo meu amigo guineense: caldo de peixe (garoupa) luso-guineense c/ legumes (entre eles, o djagatu) e arroz a acompanhar. Sobremesa: fatias de manga fresca regadas com uma redução de maracujá bem quente.

Tudo regado com uma infusão bem gelada de hibisco e gengibre e um tinto da Herdade do Esporão que o Comandante trouxe.

Abraço.

ChefAntónio
P.s.: Embora não lhes tivesse dito, os alunos descobriram que tinha sido o meu aniversário e, à boa maneira africana, aproveitaram o início da aula de hoje pra fazer uma grande festa!

14/09/16

Voluntário na Guiné 9: Celebração do tabaski.

Celebrou-se ontem, dia 12/09, na Guiné-Bissau o tabaski, a maior festa para os muçulmanos do país (cerca de 40% da população, na sua maioria, sunitas), correspondente ao Natal para os cristãos.
O evento, embora não o seja oficialmente, na prática, é um feriado. Comércio a meio gás, serviços encerrados. Até o trânsito, sempre congestionado e caótico, deu tréguas, havendo ruas e avenidas habitualmente engarrafadas quase sem tráfego. Apenas os abutres mantiveram a rotina de sempre, sobrevoando a cidade em busca de petiscos interessantes…

Com as minhas colegas voluntárias Edite (médica) e Rosário (enfermeira), embrenhei-me no Mercado do Bandim (quilómetros ao longo da Avenida dos Combatentes da Liberdade da Pátria, estendendo-se pelas ruas e ruelas circundantes).

Num ambiente animado de cores e de sons, fomos comprando, aqui e ali, alguns ingredientes para um caldo de peixe (receita típica guineense com um toque luso) que vou confecionar, para um pequeno grupo de convidados, na celebração do meu 60º aniversário no próximo dia 15.

Abrasu.

07/09/16

Voluntário na Guiné 8: regresso a Lisboa do amigo "fuzo"!



Com o clima quente e húmido e a chuva, é “um ver se te avias” a lavar t-shirts e a pô-las a secar nos cabides! Há umas nodoazitas que não querem sair e se vão acumulando de lavagem para lavagem, mas nada de grave. Medalhas de voluntário...


Hoje, o ambiente aqui no alojamento está menos animado. O meu colega de missão António Raposo (o "fuzo”, pois foi fuzileiro na vida ativa) regressou a Lisboa. Embora nos conhecêssemos desde a formação de voluntariado (colegas de turma) e dos encontros mensais na Gulbenkian, esse conhecimento era superficial. Nestas duas semanas em que partilhámos o alojamento pude aperceber-me das suas qualidades, em particular da notável capacidade de relacionamento. Embora muito diferentes em vários aspetos, mantivemos um nível comunicação profícuo e aprendi umas coisas com ele. Também levou da minha parte umas boas “secas” de língua portuguesa (quando me fazia perguntas e mesmo quando não as fazia...) e de crioulo guineense, pois fiz questão partilhar (todos os serões!) os conhecimentos que tenho vindo a aprender com os alunos. Apesar de protestar, penso que aprendeu umas coisitas.
Já a esperança que a Nucha (a esposa) tinha de que aprendesse a cozinhar umas coisas comigo foi vã. Quem sabe se, numa próxima missão, não vou tê-lo a preparar uma esparguetada com molho à António (não ele, mas eu) e uma salada de beterraba cozida no ponto e temperada com azeite, vinagre balsâmico e coentros, enquanto espero à mesa na companhia de uma cerveja fresca e uns amendoins torrados...

Abraço para todos mas em especial para o meu amigo fuzo!
ProfAP

Voluntário na Guiné-Bissau 7: compota de manga!


Não ficou bonita?

Com o meu colega de voluntariado, tivemos hoje um convite para ir jantar e ver o jogo de Portugal, uma vez que não temos televisão aqui no alojamento. Ao contrário do jogo, o jantar correu bem. Fiquei com a tarefa de tratar das entradas, saladas e sobremesa. Falando desta última, preparei manga fresca aqui da Guiné (uma perdição) acompanhada pela minha última criação: compota de manga cortada em pequenos pedaços com molho de toranja (mais doces do que as que temos em Portugal).
Foi um sucesso!
A missão continua a correr bem.

Segue o meu braço a navegar nas chuvas intensas que têm caído quase todos os dias.
ChefAP
Obs.: As entradas e as saladas também saíram a contento.