29/09/18

Missão Cabo Verde XVIII: A aventura do snorkeling...



Para satisfação de todos, choveu fortemente ontem à tarde. Sem guarda-chuva e apanhado entre chuvadas, fiquei ensopado no caminho de cerca de meia hora a andar entre a Ribeira da Craquinha e a Pedra Rolada.
A manhã tinha sido de sol intenso e calor. Correspondendo à sugestão da Bia, fomos fazer snorkeling (uma estreia para ambos).
Depois de um percurso de barco a alta velocidade em mar aberto, fomos para uma baía com um belo enquadramento paisagístico.
Depois de umas explicações, lá colocámos o equipamento para podermos desfrutar da visão dos peixes no fundo do mar. Ultrapassada a desagradável sensação de ter o nariz apertado na máscara (e o meu é grande!) e o facto de ter de respirar unicamente pela boca, a coisa correu bem, sobretudo porque a água não estava fria e é muito transparente. Experiência a repetir noutras paragens, espero que com peixes maiores e mais coloridos. O mergulho com botija é uma possibilidade em aberto, mas exige uma formação prévia numa piscina.
A missão aproxima-se do fim e já sinto saudades da Bia que parte amanhã para Lisboa. Eu vou na segunda.
O trabalho com os mais pequenos continua a ser muito animado. Ontem, um menino não queria escrever o nome e apelidos. A situação desbloqueou-se quando lhe disse:
-- Sabes que o Cristiano Ronaldo sabe escrever o nome completo?
Olhou para mim e, sem dizer nada, escreveu o nome todo (e bem!).
Abraço.
ProfAP
P.s. Texto escrito na quarta, 26.9.



28/09/18

Missão Cabo Verde XVII: É o pai da Bia?

No topo da montanha de Alto Martins: Jay, Bia, Alex e Andi.


O avião do regresso da Bia a Lisboa já deve ter descolado. Já com saudade, estou a escrever este post.
Sendo o voluntário mais velho que já esteve no Centro Jovem e a Bia um dos mais novos, com os seus 20 anos, as pessoas da Ribeira da Craquinha e da Pedra Rolada comentavam à boca pequena que éramos pai e filha. A partir de certa altura, começaram a questionar-me diretamente: “É o pai da Bia?” Outras vezes, assumiam que sim e diziam-me coisas como “A sua filha é muito simpática!”, “A sua filha é muito bem bonita!” e “Deve ter muito orgulho na sua filha!”. E eu lá ia respondendo que todas as qualidades detetadas eram reais, mas que não era pai da Bia.
Todo este interesse (também da parte das crianças e jovens) tem a ver com o facto de a Bia se relacionar com toda a gente sempre com um sorriso e sem preconceitos. Essa forma de olhar o próximo com confiança e de coração aberto foi uma lição que me levou a desblindar muitas das defesas que as experiências menos boas da vida me levaram a construir. Tornei-me uma pessoa melhor!
Felicito os pais da Bia. Têm razões para estar orgulhosos. Recorrendo às palavras do Jay (um dos grandes amigos que fizemos em Cabo Verde, à direita na foto), esta manhã, no seu sotaque inconfundível: “À Bia é umá minina espêcial!” E é mesmo!

Abraço!
ProfAP

23/09/18

Missão Cabo Verde XVI: Um jantar especial!

Com o meu novo amigo Amílcar Barbosa (foto tirada pela Jennifer, a empregada do restaurante).

Quando o meu amigo de longa data Adérito Barbosa soube que eu estava em Cabo Verde, não se poupou a esforços para me proporcionar uns felizes momentos de lazer. Como dos seus 18 irmãos (!) vive em São Vicente, pediu-lhe para me contactar e me convidar para uma noite especial. Depois de várias diligências, procurou o Frei Silvino e este pô-lo em contacto comigo.
Embora a deslocação a uma casa de mornas não tenha sido possível devido a um problema com o equipamento, jantámos, seguindo as excelentes sugestões do Amílcar, tudo regado com um vinho branco muito especial com uvas nascidas e criadas nas encostas do vulcão da ilha do Fogo. Falámos durante horas sobre as nossas aventuras, pois ambos temos aquele grãzinho de loucura que dá um gostinho especial à vida.
Terminado o jantar, seguiu-se uma visita guiada a vários pontos de interesse da cidade do Mindelo.
Mais um momento para recordar na minha missão cabo-verdiana!
Abraço e bom domingo para todos.
ProfAP

22/09/18

Missão Cabo Verde XV: A letra f!

Depois de se ter portado mal (muito!), o Ramiro a trabalhar sob a minha supervisão no espaço da biblioteca.

Os artistas de meio palmo deram-nos que fazer esta semana: gritos, lápis e borrachas a voarem em todas as direções, recusas de fazer as tarefas e algumas chapadas (rapidamente retribuídas). Esclareço que as chapadas eram dadas e recebidas entre eles...
Sabe Deus como, lá fomos (a Márcia e eu) dando conta do recado com reforços positivos e ameaças (cumpridas) de que ninguém ia brincar sem concluir os trabalhos.
O "f" minúsculo foi problemático, pelo que surgiu a imagem de um chouricinho com um laço ao meio. Acharam graça e houve alguma evolução.
Já admirava os professores do 1.º ciclo e educadores de infância. Agora, admiro-os muitíssimo mais!
Um bom fim de semana para todos!
ProfAP

20/09/18

Missão Cabo Verde XIV: O homem que queria ser um pássaro!

Apresento-vos o Frei Silvino!

Como nas histórias anteriores, esta baseia-se nas características físicas e psicológicas de alguém real: neste caso, o Frei Silvino, presidente do Centro Jovem, parceiro da associação de voluntariado "Para Onde?", que me integrou nesta missão.
Embora acessível, a linguagem é mais elaborada, pelo que se destina a alunos a partir do 3.º e 4.º anos. Abraço e boa leitura!


O homem queria ser um pássaro!

Era uma vez um homem que queria ajudar todos os meninos do mundo. Alto, robusto, barba branca e sorriso fácil: era assim o Frei Silvino.
Como andava muito depressa, era difícil acompanhá-lo, a não ser em passo de corrida ou quando alguém o interpelava. Aí, parava e correspondia efusivamente. “Como está a “senhorra?”, dizia ele com o seu “r” carregado.
E seguia o seu caminho em direção à Ribeira da Craquinha ou à Pedra Rolada.
Mas, apesar de o sorriso parecer o mesmo de sempre, havia qualquer coisa que andava a roubar-lhe a alegria.
Muitas vezes, sentava-se e punha a cabeça entre as mãos imóvel e sem dizer nada. Outras vezes, suspirava e dizia para si mesmo:
-- Pobrres crrianças abandonadas neste mundo…
Um dia, saiu de manhã muito cedo, atravessou a Craquinha e dirigiu-se, no seu passo decidido, na direção de Alto Martins.
Esgueirou-se por entre as casas, contornou pequenos arbustos espinhosos e, depois de atravessar uma zona de destroços de carros abandonados, percorreu a longa planície de terra cor de tijolo, com leitos secos de pó de lava, tudo emoldurado pelo cinzento difuso das montanhas ao longe.
Passada quase uma hora a caminhar, chegou a uma casa abandonada na base do monte. Sentou-se numa pedra escura e áspera, fechou os olhos e ali ficou numa demorada e secreta conversa com Deus.
Por fim, impulsionado por uma força vinda não se sabe de onde, levantou-se e começou a subir, escolhendo cuidadosamente as pedras onde punha os pés.
Ao passar junto a pequena bacia de água, resultado do fio líquido, fraco mas contínuo, que se escoava das pedras, baixou-se e humedeceu a testa e os lábios.
Chegado ao ponto mais alto, voltou a sentar-se, olhou para céu, entrou numa espécie de transe e começou a dizer coisas que só ele entendia…
Por fim, levantou-se e disse:
-- Ajudai-me, meu Deus!
Logo depois de dizer estas palavras, sentiu uma dor quase insuportável na zona dos ombros, enquanto de lá começavam a sair penas pretas e luzidias.
Em pouco tempo, formaram-se no seu corpo umas enormes e fortes asas.
Sem uma palavra, lançou-se no vazio e voou vigorosamente para o interior do continente africano.
Ao fim do dia, houve alvoroço no centro da Ribeira quando algo nunca visto, com grandes asas, começou a descer do céu em direção centro do campo de futebol. Era o Frei Silvino!
Os adultos fugiram espavoridos, mas as crianças, curiosas, correram para ele e brincaram nas suas asas como se de um escorrega se tratasse.
Depois de uma breve oração em silêncio, as asas recolheram, voltando a ser o Frei Silvino de sempre.
E todos os dias era assim: subia o Alto Martins (ou o Monte Verde, no lado oposto), cresciam-lhe as asas e voava ninguém sabe para onde. Ao fim dia, aterrava sempre com aparato no campo de futebol com uma precisão milimétrica.
Para alívio de todos, voltou a ser a pessoa alegre que sempre fora.
E viveu feliz para sempre!
António Pereira (14-09-2018)

19/09/18

Missão Cabo Verde XIII: O bico do passarinho!

Mãos que escrevem, futuro a fazer-se...


Durante esta semana, vou estar no Centro da Ribeira da Craquinha com a Márcia.
Depois de uma reunião com o Frei Silvino e a Sueli (coordenadora), ficou estabelecido que ficaríamos com as crianças do 1.º e 2.º anos. Objetivo: identificar problemas na caligrafia e aplicar estratégias para a aperfeiçoar.
Logo na primeira sessão, demo-nos conta de que nem todos conseguiam escrever o “b” minúsculo com correção.
Depois de várias explicações e tentativas, surgiu uma ideia meio maluca:
-- Atenção, todos a ouvir. Desenham um l e imaginam que encostadinho a ele há um passarinho, mas só se vê o pescoço e o biquinho.
E não é que resultou? Ora vejam a evolução na folha do Mauro:


A minha colega Márcia em ação. De t-shirt azul e branca o já vosso conhecido David!

Resta-me enviar aquele abraço e fazer votos que haja muitos passarinhos no jardim da vossa alma!
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18/09/18

Missão Cabo Verde XII – A arte e os jovens mindelenses...

Vista de dentro do Centro Cultural para a rua.

Andava eu a circular de quadro em quadro no Centro Cultural do Mindelo, quando me apercebi de que um grupo de adolescentes se aglomerava à volta de um quadro. Fiquei embevecido por gente tão jovens a interessar-se uma obra de arte e disse para mim mesmo “Que coisa mailinda!”
Quando se deram conta de que estava a observá-los, calaram-se nos comentários animados (que não entendi, pois falavam em crioulo) e afastaram-se em silêncio.
Morto de curiosidade, fui ver o quadro que tanto interesse despertara. Sem comentários, aqui fica a obra intitulada “Avaliação Curricular”:


Sem dúvida que o conjunto resulta em pleno: cores, luz, movimento e… formas! E nada de segundas interpretações, ok?

Abraço e boa arte para todos.

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Missão Cabo Verde XI - A bela-sombra!

É linda ou não é?


Quando viajo, uma das coisas que muito me interessam é património vegetal. Se os houver, visito os jardins botânicos e zonas protegidas e observo com atenção os jardins e parques por onde passo.
Logo no dia da chegada a São Vicente, perdi-me de amores por uma árvore que abunda por aqui. Ao vê-la, de porte elegante, com folhas luzidias em forma de coração, questionei-me se não seria uma japonica da família das camélias e azáleas.
 A elegante bela-sombra!

Perguntei em vão a várias pessoas se sabiam o nome da planta, até que o Pablo (o jovem cabo-verdiano protagonista da história da estrela-do-mar chamada Estrelinha) me disse que conhecia um senhor que quase de certeza me iria ajudar.
No dia e hora aprazados, lá fomos a casa do Sr. Morais, um branco que vive em Cabo Verde há muitos anos e que deve andar nos 80 anos. De baixa estatura e olhar arguto, recebeu-me com entusiasmo igual ao meu e estivemos a conversar mais de uma hora. No empolgamento das suas palavras, falou-me das espécies de São Vicente, numa verdadeira visita guiada imaginária: espinho-branco, acácia-arábica, acácia-americana, passando pelo assustador lavatão (que já conhecia sem saber o nome), cuja seiva pode provocar cegueira se entrar em contacto com os olhos…
Quanto ao objeto da minha paixão, dá pelo nome poético de bela-sombra.
O tenebroso Lavatão...

O futuro dirá se as sementes deste amor (que já recolhi) vão germinar na minha horta-refúgio em Azeitão!
Abraço recheado com o sol que brilha no Mindelo, sob o olhar atento do Monte Cara.
ProfAP

15/09/18

Missão Cabo Verde X - Mais um aniversário em missão!

62.º aniversário!

Tud dret? (= Tudo bem?)
Terceiro ano consecutivo a celebrar o aniversário por terras longínquas (Guiné e agora Cabo Verde).
As minhas colegas de missão, não sabem, pois estando com as finanças exauridas (e ainda faltam duas semanas de trabalho!), poderiam sentir-se na obrigação de tomar alguma iniciativa celebrativa com custos associados.
Nem a Bia, que está aqui à minha frente e tem, como eu, as finanças equilibradas, sabe. Digo-lhe amanhã.
Para celebrar, nada melhor que uns filetes de bodião grelhados (na imagem) no Elvis Restobar e a alegria de estar a viver experiências novas nesta fase da vida mais tardia e a fazer aquilo de que gosto: partilhar os conhecimentos e competências que tive o privilégio de receber e, não menos importante, fazer (sor)rir e alimentar sonhos e emoções. Como diz um filósofo grego, o verdadeiro conhecimento vem de dentro!
Um abraço a todos.
ProfAP 

14/09/18

Missão Cabo Verde IX - Distribuir palavras de incentivo à felicidade!

Na catchupa da vida, o amor não pode faltar!

Olá.
Partindo de uma sugestão da Sueli (coordenadora do Centro da Rib. da Craquinha), a Bia e eu organizámos uma atividade diferente.
Pesquisámos e inventámos frases de incentivo à felicidade, baseadas nas temáticas do sonho e do amor. Cada frase foi escrita em dois tipos de cartões (retangulares e em forma de coração) e as crianças ilustraram-nos livremente, durante cerca de uma hora.

Concluída a tarefa artística, fomos todos para as ruas da Ribeira da Craquinha distribuir os cartões. Cada, com uma coleção de cartões, abordava as pessoas com que nós cruzávamos com uma saudação e perguntava se podia oferecer um cartão com uma frase bonita, desejava um bom fim de semana e despedia-se com um aperto de mão, um abraço ou um beijinho.
Entusiasmo a rodos e muitos sorrisos nos rostos de quem ia recebendo os cartões. 
O David (o tal do hipopótamo), que parecia uma pulga elétrica, foi o primeiro a despachar todos os cartões. 


Distribuídos os cartões, organizámos a criançada em quatro equipas de quatro elementos, demos-lhes sacos e foram recolher o lixo na rua principal da localidade. Por fim, fomos até ao contentor para concluir a atividade e tirar as fotos para a posteridade.
Abraço e bijin.
ProfAP
Uma dinâmica, conduzida pelo monitor Jay (de vermelho), antes de partir para a atividade.

Todos a recolher lixo!

Foto de família!


Lixo para o lixo!

13/09/18

Missão Cabo Verde VIII – Um banho inesquecível!

Por respeito pela moral e bons costumes, excecionalmente, não publico foto alusiva ao assunto do post

Ontem, depois de vos ter contado o episódio do David, segui para a praia da Laginha para tomar o meu segundo banho desde que cheguei a Cabo Verde.
Saco ao ombro, lá fui, ao longo da estrada, a sonhar com a frescura das águas azul-claras.
Chegado ao local, estendi a toalha na areia. Mal tirei a t-shirt e os calções, reparei que duas jovens estavam a olhar para mim e a disfarçar o riso. Quando olhei também para mim, apercebi-me que estava de cuecas. Com a pressa de sair de casa, esqueci-me de vestir os calções de banho.
E ali fiquei a pensar numa saída airosa para a situação. Cheio de vontade de ir para a água e ao mesmo tempo apreensivo, pois as cuecas, tipo sunga, têm o elástico um pouco largo e destinavam-se a ser abatidas do guarda-roupa depois uma ou duas utilizações.
-- És um homem ou um rato? – perguntei mentalmente a mim mesmo. Sem convicção, optei pela segunda hipótese…
Voltei a vestir os calções e procurei uma zona mais ou menos vazia.
Chegado ao sítio que me pareceu perfeito, voltei a tirar os calções. Olhei para as cuecas e disse-lhes mentalmente que iam ter uma despedida em grande…
E fui prà água. Nadei para a direita e para a esquerda, mergulhei e flutuei.
Passados uns dez minutos, saí da água, apercebendo-me de imediato que, com o peso da água, o fato de banho improvisado estava com vontade de me cair para os joelhos. A agravar a situação, já havia pessoas sentadas de um lado e do outro das minhas coisas. Segurando-as tão discretamente quanto possível, numa triste figura de gato pingado, lá fiz o percurso entre a água e a toalha nas minhas cuecas azuis com losangos brancos.
Mal me deitei de costas, fechei os olhos e entreguei-me às carícias mornas do sol do final de tarde.
Depois de ter passado pelas brasas, abri os olhos e verifiquei que já não havia pessoas nem de um lado nem do outro. Vesti-me e apanhei o autocarro 10 para voltar à Ribeira da Craquinha.
Uma animação!
Abraço.
ProfAP

12/09/18

Missão Cabo Verde VII – Onde vamos pôr o hipopótamo?


Recebemos hoje a nossa mais pequena “freguesa”: a Ariene (no canto, ao colo da Bia), que vai fazer dois aninhos em breve. Para já, assumiu o papel de observadora atenta. Mas o objetivo é pô-la a fazer redações o mais rapidamente possível! ;)

Uma das atividades da sessão desta manhã foi a organização de “O meu dicionário privativo”. Em folhas A4 com linhas, todos escreveram o nome e o título. A seguir, recordámos em coro (o que é sempre uma festa) o alfabeto e cada um escreveu as 26 letras das entradas do dicionário. Como não poderia deixar de ser, para alimentar as veias artísticas de palmo e meio, cada criança pintou e alindou cada letra.

Terminado o embelezamento, foi explicado o que era para fazer. A partir do dia de hoje, tirava-se à sorte, todos os dias, um tema para que os meninos e meninas encontrassem palavras e as registassem na entrada respetiva.
Feito o sorteio, saiu o tema “animais”, o que agradou a todos. Como exemplo, demos a palavra “gato” que todos escreveram na entrada “G”. E ao trabalho!
No silêncio que se fez (coisa rara por aqui), ouviu-se uma vozinha vinda do fundo da sala:
-- Hipopótamo!
Era o Davi (identificado com uma seta na imagem), muito decidido, na pequenez dos seus seis anos.
Perguntei-lhe:
-- E onde vamos pôr o hipopótamo, Davi?
Sem demora, veio a resposta:
-- “Ná” selva!
A rir-me que nem um perdido, lá consegui dizer-lhe:
-- Tens toda razão, na selva é que o hipopótamo está bem. Mas em que letra vais escrever a palavra?
-- “Ágá”!
-- Muito bem, Davi. Está certíssimo!
Uma animação!

Um abraço com o melhor de Cabo Verde, ou seja, a morabeza!
ProfAntónio

11/09/18

Missão Cabo Verde VI - Catchupa ta na lume!


Olá!
Tudo a correr sobre rodas no trabalho com as crianças e jovens e nas formações de professores para que tenho sido solicitado. 
Hoje, tivemos um momento particularmente animado no centro da Ribeira da Craquinha (onde estou esta semana com a minha colega Bia) quando dissemos às crianças que íamos servir uma catchupa (termo crioulo) imaginária. Colocámos em latas vazias (de salsichas, feijão e grão) frases com as palavras cortadas e servimos uma cachupa a cada um, devendo eles pôr as palavras no sítio, reconstituindo as frases. Gostaram tanto que amanhã querem mais. Vamos servir cachupa rica aos mais velhos (duas frases complexas) e pobre aos mais pequenos (uma frase simples).
Uma animação!
Recorrendo ao crioulo, bijin!
ProfAP

08/09/18

Missão Cabo Verde V - Fim da primeira semana!

Monte Cara (ver a seta), um dos ex-libris da cidade do Mindelo

Aqui fica a segunda história, que as crianças ainda não conhecem. O Pablo é um colaboradores do Espaço Jovem e é mesmo assim como a personagem da história, um jovem idealista com um coração de ouro! Abraço a todos. ;)



História de uma estrela-do-mar chamada Estrelinha

Era uma vez uma estrelinha-do-mar chamada Estrelinha muito brincalhona.
Era pequenina, mas, para uma estrela-do-mar, era muito desembaraçada e corria em todas as direções no fundo do mar.
É caso para dizer que não parava quieta e, quando ela passava, todos sorriam e diziam sempre:
-- Então, Estrelinha, feliz como sempre?
-- Ya! – dizia ela enquanto mastigava as suas algas preferidas como se fossem pastilha elástica.
Estava sempre a fazer das suas. Dançava e dava cambalhotas diante da moreia Dentuça, o que era perigoso, pois a moreia, com os seus dentes enormes e aguçados, não era para brincadeiras.
Pregava sustos ao choco Malaquias que, apanhado de surpresa, lançava tinta em todas as direções.
Fazia cócegas na barriga cinzenta do atum Tonecas que não resistia e não parava de rir.
A vida da Estrelinha era sempre assim: mil e uma brincadeiras e receber carinhos e muitos beijinhos e abraços a toda a hora. Dito por outras palavras, era feliz e fazia felizes todos os que a conheciam.
Um dia em que estava a brincar às escondidas com o carapau Juvenal, a sardinha Nelita e a cavala Milu, foi apanhada na rede de um pescador.
De início, nem se apercebeu do que estava a acontecer, mas quando foi atirada para a areia da praia Laginha pelo pescador sem coração, muito triste, começou a chorar baixinho….
Chorou, chorou, chorou, mas parecia que ninguém ia ajudar a Estrelinha.
Quando tudo parecia perdido, sentiu o toque suave de uma mão a apanhá-la da areia com muito carinho.
Era o Pablo, um jovem sonhador, com um coração de ouro e um amor infinito por todos os seres vivos, plantas ou animais.
Olhou para a estrela-do-mar e disse-lhe ao ouvido:
-- Vou pôr-te já na água e vais ficar boa!
Com voz sumida, ela respondeu:
-- Obrigada, mas é demasiado tarde. O sol secou-me a pele e não posso voltar ao mar. Leva-me contigo, amigo querido, e a conchega-me contra o teu coração. Neste momento, o teu amor é o conforto de que preciso.
Pablo, com os olhos cheios de lágrimas, levantou a t-shirt amarela e, delicadamente, pôs a Estrelinha junto ao peito.
Andou sem destino pelas ruas do Mindelo, enquanto a sua nova amiga, embalada pelas batidas do coração dele (pum-pum, pum-pum, pum-pum), adormeceu profundamente.
Sentou-se num banco de jardim na Praça Nova e, vencido pelo cansaço que a tristeza sempre traz, adormeceu também.
Quando o sol foi para a caminha dormir e veio a noite escura, Pablo acordou e, instintivamente, levou a mão ao peito. Estremeceu quando se apercebeu de que a estrelinha-do-mar tinha desaparecido.
Como um louco, começou a andar de um lado para o outro e a gritar:
-- Estrelinha! Estrelinha, onde estás? Ó meu Deus, como é que fui adormecer assim. Nunca me vou perdoar! Estrelinha! Estrelinha! Estrelinha!
Quando já desesperava, ouviu uma vozinha que não sabia de onde vinha:
-- Psst, psst. Tou aqui…
-- És tu, Estrelinha? Tás onde?
-- Olha para cima. Tou aqui!
Ele olhava para cima, mas não a vendo em lado nenhum, ficou muito confuso.
-- Olha para o céu, Pablo. Vou fazer-te um sinal.
Quando olhou, ele viu uma estrelinha pequenina a piscar.
-- Mas… co… como é possível? – gaguejou ele com toda a alegria do mundo.
-- Não podia voltar ao mar, mas o teu amor por mim era tão forte que aconteceu um milagre: junto ao teu peito, transformei-me numa estrela a sério e voei para o céu. Tenho muitas companheiras de brincadeira, mas o meu melhor amigo és tu, Pablo!
E ficaram os dois ali a conversar o resto da noite. Ele de pé, sobre o banco de jardim e ela debruçada na varanda do céu.
E todas as noites era assim: conversas sem fim.
Ainda hoje, sentado no tanque de pedra, que ele próprio construiu num terreno no Vale da Lua, junto ao Monte Verde, Pablo passa as noites a falar de tudo e mais uma coisa com a Estrelinha.
E vão ser felizes para sempre!

António Pereira (6-09-2018)

07/09/18

Missão Cabo Verde IV - Em ação!

As minhas colegas voluntárias Bia e Helena em ação.


Apesar das limitações (falta de materiais e termos de construir atividades de um dia para o outro), o trabalho está a decorrer satisfatoriamente. A Bia e a Helena no Centro da Ribeira da Craquinha e a Márcia e eu no Centro Pedro Rolada. Nas próximas semanas, vamos rodar as equipas e os locais de trabalho.
As crianças estão sedentas de afeto. Algumas vêm a correr esperar-nos ao caminho para nos darem abraços e beijinhos. Põem as mãozinhas nas nossas e já não nos querem largar. A custo, lá conseguimos pô-las em modo trabalho. Adoram desenhar e atividades lúdicas, o que é natural. Como temos ao mesmo algumas muito pequeninas, que ainda não sabem falar, outras que não sabem escrever e um outro caso de deficit cognitivo, temos de recorrer ao milagre da desmultiplicação de estratégias.
Como gosto de escrever (embora nunca o tivesse feito para crianças), construí uma pequena história em que a personagem central é um dos coordenadores dos centros (o Máxi) que todas as crianças conhecem. A mãe dele, que também entra na história, chama-se mesmo Filó.
Foi um sucesso e depois de uma atividade de compreensão, enquanto lhe contávamos a história, fizeram todos desenhos relacionados com o mar. Já há novo conto em fase de conclusão ("Uma estrela-do-mar chamada Estrelinha"), que partilharei mais tarde, pois só temos acesso à net quando vamos à cidade a um café com wi-fi.
Abraço da Ribeira da Craquinha (com chuva todos os dias, para gáudio de todos, pois tal não acontecia há dois anos).
ProfAP

Máxi, um menino traquina

Era uma vez um menino chamado Máxi. Tinha cinco anos e nunca parava quieto.
Um dia, apanhou a mãe distraída e fugiu de casa.
Andou, andou, andou, até que chegou ao porto onde atracam os barcos que vão para Santo Antão.
Ficou ali parado a ver as pessoas as saírem e a entrarem no barco e a olhar para a sua grande paixão: o mar imenso…
Imaginou-se um peixe a nadar velozmente ou mesmo uma gaivota com duas grandes asas abertas a voar no céu azul e a ver lá de cima o mar também azul.
Era tão pequenino que as pessoas que iam e vinham nem reparavam nele.
De repente, ouviu-se ao longe um grito ameaçador:
-- Máxi, meu malandro, vem cá que vais levar com o chinelo.
Era a mãe, a D. Filó.
Embora os pais nunca na vida lhe tivessem batido, o Máxi ficou tão atrapalhado que escorregou e caiu do cais, mergulhando na água como uma pedra.
Mas ninguém sabe como, começou a esbracejar e nadou como um campeão até à ilha de Santo Antão.
Juntou-se muita gente no cais a ver aquela coisa espantosa nunca antes vista.
Quando Máxi regressou ao cais do Mindelo, sempre a nadar, foi aplaudido com palmas e ouviram-se frases muito bonitas: “Viva o Máxi!”, “O Máxi é um campeão!”, “O Máxi é o nosso herói!”
Sem ligar ao que lhe diziam, o menino correu para a mãe e abraçou-se às suas saias com as lágrimas nos olhos.
Olhou para ela e disse:
-- Mãe, já sou grrrande!
Ela baixou-se, olhou para ele e, com um grande sorriso, respondeu:
-- És sim, meu filho. Devias levar com o chinelo, mas, como nadaste tão bem, vais deliciar-te com uma catchupa de cevada e cuscus-bolo que a mamã vai fazer especialmente para ti.
Deu-lhe a mão e foram para casa muito felizes!

António Pereira (5-09-2018)

01/09/18

Missão Cabo Verde III - o pequeno-almoço...


Foi-me dito que o pequeno-almoço seria servido a partir das 7h30. Levantei-me perto das 9h00 mas ao chegar à saleta onde a refeição seria servida, nada nem ninguém. Esperei impaciente e faminto até que às 9h30 apareceu a jovem funcionária muito sorridente a perguntar-me se tinha dormido bem e a perguntar-me se queria que me servisse o pequeno-almoço. Intrigado, disse-lhe que sim.
Passados 20 minutos, foi servido o banquete que a imagem documenta, com um pormenor curioso que a seta assinala na imagem: a manteiga e dois doces servidos em cálices de licor.
Entretanto na rádio, depois um sinal sonora ouça a locutora dizer "oito hora de parmanhã". Não atualizei a hora. Como aqui são duas horas mais cedo, levantei às 7h00 e não às 9h00...
Regalei-me, pois não a que horas vou poder almoçar. Na alegria do repasto, com a minha habitual descoordenação, caiu-me uma rodela de chouriço nos calções. A tentar apanhá-lo, pressionei-a contra o tecido e fiquei com uma nódoa enorme em sítio pouco conveniente...
Daqui a uns minutos, chegará o Frei Silvino e irei para o alojamento na Ribeira da Craquinha.
Quando voltar a ter internet, darei mais notícias.
Abraços!


Missão Cabo Verde II - Chegada ao Mindelo!


Depois de uma aterragem sem sobressaltos 15 minutos antes do horário previsto, esperava-me um calor húmido (mas nada que se pareça com a Guiné-Bissau) e um vento fortíssimo. Seguindo o conselho que me deram, pedi o visto à entrada. O processo foi rápido e mais económico do que em Portugal (25€).
Enquanto procurava a Sueli (que me iria buscar ao aeroporto), fui interpelado por uma voz imponente: “Sênhor António!” Era o Frei Silvino, um franciscano italiano que vive em Cabo Verde há 23 anos, presidente do Espaço Jovem, organização não governamental, sem fins lucrativos, sediada no Mindelo desde 2003. A associação desenvolve uma intervenção sociocultural com a juventude da periferia da cidade, em zonas carenciadas, complicadas, onde, em tempos, nem a polícia se atrevia a entrar. A associação agrega dois espaços onde irei colaborar: Centro de Protagonismo Juvenil da Ribeira da Craquinha (perto do qual ficarei alojado a partir de amanhã com mais três voluntárias da associação “Para Onde?”) e Cooperativa Jovem da Pedra Rolada.
Depois de acondicionar todas as malas, maletas, sacos e saquinhos no carro do Frei Silvino (verdadeira peça de museu de um modelo Fiat que nunca tinha visto), lá fomos para a cidade, também na companhia do jovem cabo-verdiano Paulo, colaborador do Espaço Jovem. Numa reunião sobre rodas, apresentámo-nos (quem éramos, donde vínhamos, para onde queremos ir) e recebi vasta e útil informação sobre o Espaço Jovem. Além do voluntariado, descobrimos uma paixão comum aos três: formas de cultivo alternativo de hortas biológicas.
Cheguei ao Hotel Basic (excelente, considerando o baixo custo), na parte alta da cidade, ao início da tarde. Da janela do quarto, a vista de uma bananeira e de uma papaieira,  encostadinhas uma à outra, encheram-me a alma de verde. Um verdadeira cenário de poesia japonesa haiku:

Depois uma sesta de uma hora, um almoço no quarto que me soube divinalmente: uma daquelas massas chinesas que é só juntar água a ferver (ando sempre na mala com um pequeno jarro elétrico, comprado há muitos anos, que tem uma tripla função: confecionar refeições, fazer chá ou café e aquecer água para a barba), uma laranja da minha horta que viajou comigo e um café Delta com uma minifogaça de Alcochete, onde vive a minha mãe.
E chegou a hora de descer à cidade na minha primeira e única tarde na condição de turista... Depois de trocar alguns € por escudos de Cabo Verde (1€ = 110 esc.), serpenteei sem destino certo de olhos e alma abertos ao que viesse. De tudo o que vi, aqui ficam algumas imagens.


 Edifício do Museu do Mar (réplica da Torre de Belém)

Embora por vezes sem informação sobre as peças apresentadas e de não ser (para mim) evidente o critério seguido na organização do espaço, achei muito interessante a inclusão de vários poemas sobre o mar. No último piso, a vista sobre a cidade é magnífica!
Museu do Mar

O PESCADOR QUE SONHA E PESCA

Alma que morre com salitre
no nó da garganta
com sonhos que são
salpicos de água no anzol de luar

Morre com a carcaça no peito
e linha na mão
pescado no sonho
e… salpicos de água e sonho
nos olhos…

Bota a linha
e morre sonhando
com peito cheio de peixes e graúdos
com olhos de mulher e filhos
dinheiro e pão

E morre ainda pescando
com a linha presa na mão.
Mário Lúcio – Set. 1983
In Revista Ponto & Vírgula n.º 7-84

A cidade vista do alto do Museu do Mar 

Cheios de cor, os edifícios estão sempre prontos para a folia do Carnaval (na opinião de muitos, o mais importante de Cabo Verde)

A beleza discreta...

Numa cenário irreal a prenunciar a bênção da muita chuva que iria cair durante a noite, a ilha de Santo Antão...

Abraço.
ProfAP