Onde estavam escondidos que nunca demos por
vocês? Era a interrogação dos profissionais da música europeus quando via ao
vivo, no Eurosonic, na Holanda, Marta Ren, The Gift, Gisela João, Throes + The
Shine, Best Youth ou DJ Ride. A operação superou expectativas, mas é apenas o
princípio.
VÍTOR BELANCIANO
em Groningen, 19 de Janeiro de 2017
A Europa profissional da
música, e as cerca de 40 mil pessoas que ocorreram às dezenas de concertos que
aconteceram diariamente em mais de 40 salas, tomaram o pulso à diversidade e
qualidade da música actual feita em Portugal BART HEEMSKERK
Não vale a pena romantizar.
Portugal é uma realidade comercial pequena. O mercado é exíguo. Para um músico
poder viver apenas da música ou tem de ter grande abrangência, muitas vezes
acabando por condescender com a sua arte, ou então desdobrar-se por diversos
mercados, por mínimos que sejam. Não é apenas uma questão de qualidade ou de
persistência. É de contexto.
Mas mesmo que assim não fosse
procurar novos espaços de exposição, mais do que imperativo, é a condição natural
dos dias de hoje. Já não é uma questão de se ser competitivo, mas de criar o
mínimo de condições possíveis para sustentar um percurso.
No edifício multiusos
Oosterport JORN BAARS
Claro que existiram casos de
exportação no passado e outros se têm afirmado nos últimos anos (Madredeus,
Mariza, Mísia, Ana Moura, Buraka Som Sistema, Moonspell, Legendary Tigerman,
António Zambujo, Dead Combo, Rodrigo Leão, The Gift, Moullinex, Batida,
Príncipe DJs, Paus, entre outros), com graus variáveis de consistência, mas
essas são algumas excepções que confirmam o desconhecimento que ainda persiste
no exterior sobre o que se vai fazendo em Portugal.
Daí que o facto de Portugal
ter sido o país em destaque no último Eurosonic, a feira que é conferência
e também festival, uma das montras mais credíveis que os profissionais da
música na Europa têm à sua disposição, tenha sido tão relevante. O evento que
aconteceu de 11 a 14 de Janeiro, em Groningen, Holanda, recebeu 23 grupos e
artistas portugueses e quase 100 profissionais, entre promotores, agentes,
managers, produtores ou editores.
Pela primeira vez a Europa
profissional da música, e as cerca de 40 mil pessoas que ocorreram às dezenas
de concertos que aconteceram diariamente em mais de 40 salas, tomaram o pulso à
diversidade e qualidade da música actual feita em Portugal, numa estratégia
concertada desenvolvida por uma estrutura orientadora, a Why Portugal, que se
tem vindo a assumir como plataforma para a internacionalização da música
portuguesa.
Showcase dos Best Youth JORN
BAARS
O efeito foi de surpresa. Foi
como se a Europa tivesse tido contacto com uma realidade que lhe era
desconhecida. O luso-francês Fernando Ladeiro-Marques, director do
evento francês MaMA, dizia-nos que há muita qualidade em Portugal, mas visto de
fora “é como se a música portuguesa não existisse” e Ed Rocha Gonçalves dos
Best Youth sintetiza o sentimento geral acerca de como é percepcionada a música
portuguesa na actualidade.
“A pergunta que
invariavelmente nos fizeram em todas as entrevistas que demos foi: mas porque é
que só agora estamos a conhecer esta música? Ou seja, porque é que só agora
estamos a constatar que existe tão boa música em Portugal para lá do
fado?”
Há quem sustente que uma
representação colectiva não constitui uma mais-valia, com o argumento que
dispersa. Não foi isso que se sentiu. Pelo contrário, fica-se com a ideia que
no caso de um país periférico e pequeno como o português, dar uma imagem de
conjunto é essencial para se fazer notar. Independentemente das possibilidades
de comunicação abertas pela internet estar neste tipo de acontecimentos é
importante. John Gonçalves, um dos músicos e também manager dos The Gift, um
dos grupos que mais tem lutado pela exportação nos últimos vinte anos, sabe-o
bem. Em alguns momentos, diz ele, no edifício multiusos Oosterport, onde os
profissionais se encontraram, reuniram, negociaram ou conferenciaram, “olhava à
volta e parecia que era um sonho, com tanta gente portuguesa, no espaço lounge
do AICEP, nas conferências, as bandas a tocar, a indústria o dia inteiro a
operar.”
Espectáculo de Gisela João
JORN BAARS
Para ele, que já percorreu as
mais importantes feiras do mundo – da Popkomm de Berlim ao South By Southwest
de Austin – solitariamente com os Gift, o que aconteceu foi “inacreditável”. Em
todos os acontecimentos onde esteve com os Gift, diz ele, “era complicado
darmo-nos a conhecer. Por mais que se tente, se faça um bom trabalho, se toque
ou se faça contactos, és sempre apenas mais um no meio de mil.” Nas reuniões onde
participou ao longo dos anos defendeu sempre “que era preciso a indústria
organizar-se e fico contente que se tenha conseguido agregar agentes, managers,
artistas, editoras e uma série de entidades.”
Na sua visão o que aconteceu
não é o fim, mas o princípio de algo. Em 1990 quando o organismo estatal
francês Bureau de Export lançou o seu trabalho, só dez anos depois fez um
relatório de balanço, recorda. “Desta primeira pedra que foi o Eurosonic, e se
existir um trabalho continuado, penso o mesmo: daqui a dez anos faremos contas
e tenho a certeza que os miúdos que agora têm 20 anos olharão para a sua
actividade de outra forma”, afirma.
Grupos como os The Gift até
fazem parte do circuito dos festivais e das câmaras municipais – “não nos
queixamos”, assume John Gonçalves – mas essa não é uma realidade para todos. Um
exemplo: os Memória de Peixe. Deram um excelente concerto, num pequeno clube em
Groningen, mas a sua música em Portugal nunca fará parte desse roteiro. “É por
isso que têm de ir lá para fora”, diz John Gonçalves, “conquistando o seu
espaço e os diversos nichos. Temos de dar oportunidade a toda a gente criativa
que aí anda para saírem porque talento existe.”
Os Memória de Peixe num clube
em Gronigen JORN BAARS
Uma coisa é certa. Foi
transmitida uma imagem do país que não existia. “As pessoas perceberam que
existe uma realidade heterógenea, da Gisela João ao DJ Ride, para já não falar
dos que não vieram, do David Fonseca à Rita Redshoes ou ao Tigerman, que
poderiam ter estado. Mas é importante perceber que aquilo que aconteceu não é
positivo apenas para os que foram, como também o é para os que não foram.” Como
dizia Márcio Laranjeira, da editora Lovers & Lollypops, numa das
conferências sobre Portugal, “tudo ajuda a criar curiosidade sobre a música de
um dado país. Não é apenas a música, é toda a vida cultural, ou os
acontecimentos e aquilo que as pessoas sabem desse país.”
Talento existe. Nisso há
consenso. “Muito mais do que em países de maior dimensão”, diz o conhecedor
Fernando Ladeiro-Marques. Público interessado também. Viu-se isso na forma
entusiasta como se relacionou com a soul-funk de Marta Ren & The Groovelvets,
o fado de Gisela João, a pop orquestral de Rodrigo Leão na companhia de Scott
Matthews, o rock segundo os Glockenwise, o experimentalismo dos Memória de
Peixe, a delicadeza do homem-orquestra Noiserv ou dos First Breath After Coma,
ou com as novas linguagens afro-portuguesas dos dançantes Batida, Throes + The
Shine, Octa Push ou DJ Firmeza.
Estiveram presentes
consagrados, como os The Gift, mas em fase de relançamento com novo álbum a
editar em Abril, e mais novatos nestas andanças como os Happy Mess, Holy
Nothing, :Papercutz, We Bless This Mess ou os Best Youth. O concerto inicial
dos Gift nem correu especialmente bem por questões técnicas, assume John
Gonçalves, “mas depois fizemos uns cinco showcases e um especial para a Arte TV
o que foi reparador e conseguimos cumprir com os nossos dois objectivos.”
Comunicar ao público, imprensa, promotores e nas reuniões de trabalho que têm
novo álbum, com Brian Eno. E também conseguir acordos com alguns agentes de
concertos. “E isso foi conseguido porque fechámos um acordo importante com uma
grande agência na Alemanha, e nas próximas semanas vamos tentar o mesmo para
Inglaterra.”
Concerto de Marta Ren &
The Groovelvets BART HEEMSKERK
Saldo positivo é também o
veredicto dos Best Youth. “Não sabíamos com o que contar”, assume Ed Rocha
Gonçalves, “mas ficamos logo contentes com a proposta de tocarmos duas vezes e
a partir do momento em que fomos anunciados recebemos convites para fazer
coisas lá – o concerto no clube Vera foi filmado, um dia antes tocámos para
o Arte TV e ainda fizemos um showcase acústico pelo meio. O concerto no
Vera estava quase cheio às 20h da noite o que é raro segundo nos disseram e
tivemos muitos contactos com produtoras, agências e jornalistas.”
Ainda é cedo para fazer um
balanço definitivo sobre o que aconteceu mas, para já, Nuno Saraiva, da Why
Portugal, avança que na reunião dos 104 festivais que fazem parte da rede
europeia ETEP (European Talent Exchange Programme), que decorreu no último
sábado, e durante a qual os promotores relatam as intenções de programação,
surgiram logo três nomes nas listas principais: Noiserv, DJ Ride e Throes + The
Shine. Também acordos de agenciamento foram estabelecidos, como aconteceu com
os The Gift, ou com os Happy Mess e We Bless This Mess, com a Boomerang
booking, para o mercado holandês. “Mas nos próximos meses vai haver novos
desenvolvimentos, com agências e festivais a pegarem em diversos projectos”,
garante Nuno Saraiva, “até porque em Março vai haver também o South By
Southwest, para onde foram convidados seis ou sete artistas, numa expressão de
toda esta estratégia, sendo o nosso desafio compor uma missão até lá,
angariando os apoios necessários.”
Nos meses de preparação do
Eurosonic, a Why Portugal conseguiu reunir apoios tanto do ministério da
cultura, através da DGArtes, “nomeadamente para as viagens dos artistas – pelo
menos os primeiros dez confirmados”, diz Nuno Saraiva, “e também envolver o
AICEP, a Audiogest e a GDA.” Agora, afirma John Gonçalves, “é importante que as
associações e entidades como a SPA, DGA ou Audiogest entendam que isto não pode
acabar. Não estamos a falar de pagar a artistas ou técnicos, mas de apoios
partilhados ao investimento nas logísticas, por exemplo.”
Se isso acontecer, daqui a
alguns anos, vamos olhar para trás e perceber que aquilo que aconteceu no
Eurosonic foi um momento decisivo para a afirmação no mundo da música feita em
Portugal.
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