Acha que o pão engorda? E
que não se pode beber água às refeições? Se calhar tem andado enganado acerca
destas e de outras ‘certezas’...
Ser nutricionista nos dias
que correm é tarefa difícil. Não há quem fique sem palavras quando se trata do
tema alimentação. Coisas que se apanham aqui e acolá, em blogues, links ou
páginas das redes sociais, a maioria das vezes sem qualquer fundamentação científica,
acabam por tornar-se verdades generalizadas. E assim nascem os mitos, fortes,
muito fortes, e muito complicados de matar. Tema que interessa ao nutricionista
Pedro Carvalho, 29 anos, que acaba de lançar o livro Mitos que Comemos (Ed.
Matéria-Prima Edições, €14,5), onde desmonta as maiores patranhas em que as
pessoas embarcam quando decidem fazer dieta ou mudar de regime alimentar. “Numa
área tão recente e em constante evolução como a das ciências da nutrição, não
se podem assumir como estanques e imutáveis alguns pressupostos, daí que se
diga muitas vezes que os nutricionistas estão sempre a mudar de opinião e que o
alimento que hoje faz bem amanhã faz mal”, justifica o doutorado em Ciências do
Consumo Alimentar e Nutrição e professor na Universidade do Porto, que também
assinava crónicas no Público sobre o tema. Para escrever este livro, recorreu a
centenas de estudos científicos. São cerca de 250 referências bibliográficas
referidas nas últimas páginas – para cada alegação nutricional, existe um estudo
que a comprova. Para que não restem dúvidas acerca da veracidade do que diz.
Na opinião do autor, o
leite talvez seja o tema escaldante do momento, o que suscita reações mais
fortes. “Está a ser claramente vítima de uma campanha de diabolização por parte
de quem não o bebe por questões de princípio ou de saúde. Mas, para os que
analisam a ciência de forma isenta, o consumo de leite, particularmente de
iogurtes nas versões magras, tem mais benefícios do que malefícios, sendo claro
que não é um alimento absolutamente essencial.” O glúten também se transformou
num inimigo público e Pedro Carvalho dedica capítulos a cada um destes assuntos
do momento. Ainda deixa espaço para dissecar várias dietas restritivas
(líquidas, detox, sem hidratos de carbono), pois, avisa, “se levadas a cabo por
demasiado tempo, colocam uma pessoa em risco de algumas carências nutricionais,
além de induzirem uma redução de peso de má qualidade (com mais massa muscular
perdida do que massa gorda) e algumas disfunções hormonais importantes e
difíceis de reverter.”
Existe outro capítulo
sobre os falsos superalimentos, que também acabam por se transformar em mitos.
“Alguns têm propriedades nutricionais fantásticas e efeitos muito benéficos na
nossa saúde, como as bagas (mirtilos, amoras, framboesas), a batata-doce, a
aveia, as oleaginosas (amêndoa, noz, avelã). Mas não possuem nomes muito fancy,
nem são excessivamente caros.”
Aqui ficam alguns exemplos desmistificados
BEBIDAS
GASEIFICADAS DESCALCIFICAM OS OSSOS
Quem nunca ouviu dizer que
tudo o que tem gás descalcifica os ossos que atire a primeira pedra. Pedro
Carvalho é perentório: “O gás, independentemente da sua origem, até hoje não
esteve relacionado, de nenhuma forma, com a desmineralização óssea.” Não há problema
em beber águas gaseificas, desde que se repare no teor de sódio, pois algumas
marcas abusam dele.
No que toca aos
refrigerantes, a conversa é outra, porque além do gás, estão presentes vários
constituintes que, esses sim, podem não dar muita saúde aos ossos. Casos do
ácido fosfórico, da cafeína e do pH ácido (e as colas têm-nos todos, mais
açúcar). Além disso, muitas vezes, os refrigerantes aparecem em vez do leite ou
dos iogurtes e isso agrava a situação, porque se trata de um comportamento que
atua de duas formas negativas na constituição óssea.
HIDRATOS
DE CARBONO NUNCA À NOITE
Há poucos regimes
alimentares em que os hidratos (pão, massas, arroz, batatas) não tomem a forma
de diabo. Então a partir das seis da tarde nem se fala. Percebe-se porque este
mito está tão enraizado: a sua ingestão aumenta, de facto, a produção de
insulina e ela diminui a oxidação da gordura. Mas, ao que parece, não é isso
que dita a investigação nutricional, embora ela seja escassa e inconclusiva. “A
existir um momento preferencial será mesmo durante a noite”, escreve Pedro
Carvalho. Parece que os níveis de adiponectina e leptina (duas hormonas
essenciais na regulação do comportamento alimentar) se modificam favoravelmente
quando se ingere hidratos de carbono depois do entardecer, desde que sejam
limitados ao longo do dia.
No entanto, há sempre
vantagem em cortar neste tipo de alimentos – no limite está a reduzir-se a
quantidade de calorias ingeridas e com isso a favorecer a perda de peso.
CELULITE
ESTÁ RELACIONADA COM A ALIMENTAÇÃO
Pois está. Mas não só.
Diga-se de passagem que mais 80% das mulheres, independentemente do seu peso,
têm predisposição genética para este problema que dá cabo da estética das coxas
e do rabo. E ainda não foi descoberta a solução para resolver a casca de
laranja. Enquanto isso não acontece, nem vale a pena gastar rios de dinheiro em
cremes (aconselhe-se com um dermatologista) ou outras soluções milagrosas.
Melhor será começar a fazer exercício, porque isso ajuda a aliviar problemas de
circulação. E como a celulite é fruto de um processo inflamatório, há que
deitar mão a todas as fontes antioxidantes, como bagas, laranja, quivi,
brócolos, pimento, agrião, chá verde, ervas aromáticas e especiarias, aconselha
o nutricionista. Depois, há que reduzir os alimentos muito açucarados ou
salgados.
AÇÚCAR
DEIXA AS CRIANÇAS HIPERATIVAS
A dúvida é sempre a mesma:
a excitação das festas infantis vem da festa propriamente dita ou das
quantidades enormes de açúcar de todas as guloseimas que eles metem para dentro
nesses dias?
A verdade é que não há
resposta conclusiva para esta suposta associação. Por um lado, escreve Pedro
Carvalho, “a ingestão de açúcar pode levar à produção de serotonina; por outro,
uma eventual hipoglicemia reativa pode também aumentar a irritabilidade e
diminuir os níveis de concentração”. Porém, como a maioria dos alimentos
direcionados às crianças têm uma conjugação explosiva de açúcar e aditivos
(alguns deles, comprovadamente, potenciadores de comportamentos hiperativos), o
melhor será mesmo controlar as doses.
ÁGUA SÓ
FORA DAS REFEIÇÕES
É verdade, não se pode: deve-se. E esqueça a sensação
de inchaço – a água não tem calorias. E também não tem um efeito dilatador do
estômago, como sustentam algumas teorias. Antes pelo contrário: os estudos já efetuados
apontam para uma redução da ingestão calórica sempre que se bebe água antes de
ir para a mesa e até quando já se está a comer. Por isso, este líquido, a
qualquer hora do dia, só promove a hidratação (e isso é bom).
Para este mito e esta moda
que anda por aí muito pegada, Pedro Carvalho só tem uma resposta: “Os testes
múltiplos de intolerância alimentar são inúteis.” E espalda-se na Sociedade
Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica, que escreveu em comunicado, sem
pestanejar, assim que eles começaram a tornarem-se virais: “Não têm qualquer
fundamentação científica, não têm utilidade diagnóstica e podem ocasionar erros
de diagnóstico graves com consequentes riscos na saúde individual e na saúde
pública.”
No entanto, a sua
popularidade não diminuiu e continua a ser imensa. Todos embarcam nos
resultados (que dão sempre intolerância a diferentes alimentos) encontrando
neles uma ou várias desculpas para ter peso a mais.
Mas, atente-se, os únicos
profissionais que estão habilitados a fazer algum teste deste tipo, para
despistar interações alimentares, são os imunoalergologistas.
FRUTA
JAMAIS À MESA
A sabedoria popular ainda
não decidiu qual a hora do dia ideal para se encaixar a fruta. Ora recomenda
que não se coma depois da refeição porque fermenta, ora diz que deve ser
ingerida de estômago vazio, e que até antes de um prato, para supostamente
cortar a absorção da gordura. A fibra, também presente na fruta, realmente tem
essa função, mas a sopa, a salada ou os legumes de acompanhamento desempenham
esse papel, de cortar a gordura, na perfeição. Na realidade, o ideal é comê-la
depois da refeição, “porque o teor de vitamina C tem um papel benéfico na
facilitação da absorção do ferro de origem vegetal (casos do feijão, grão ou
pão)”, nota Pedro Carvalho. Antes, durante, depois, o importante é que a
quantidade de fruta e legumes some um total de cinco porções diárias, sem
qualquer medo das consequências.
Data: 23/05/2016
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