Mercado do Bandim.
12/9/16 - Com as minhas colegas voluntárias
Edite (médica) e Rosário (enfermeira), embrenhei-me no Mercado do Bandim (que
se estende por quilómetros ao longo da Avenida dos Combatentes da Liberdade da
Pátria, prolongando-se pelas ruas e ruelas circundantes). Num ambiente animado,
fomos comprando os ingredientes para um caldo de peixe, receita típica guineense
(com um toque lusitano), que iria confecionar para um grupo de amigos.
E tudo corria bem até ao momento em que a
Edite se baixou para escolher umas bananas que queria comprar. Sem nos
apercebermos, um jovem deitou-lhe a mão ao fio de ouro e puxou-o até se partir,
fugindo com ele.
A Edite gritou “Ai o meu fio, levou-me o meu
fio!” E eu fazia gestos a explicar o que tinha acontecido, uma vez que grande parte
da população só fala crioulo. Outros jovens puseram-se no encalço do meliante,
entretanto desaparecido numa rua estreita e labiríntica, enquanto as vendedoras
nos garantiam “Vão apanhar, vão apanhar!”.
Fiquei na dúvida se o iam apanhar ou dar-lhe
uma surra, mas nunca uma frase incorretamente construída me soou tão bem!
Enquanto durava a perseguição, ia abraçando a
Edite para a confortar e explicava a quem chegava, numa espécie de bilinguismo
de palavras e gestos, o que se tinha passado.
Poucos minutos depois, apareceu uma parte do
grupo perseguidor, dando, com entusiasmo, a boa-nova: “Encontraram,
encontraram!” Logo depois, chegou o portador do fio, devolvendo-o à Elisa. Aí,
uma vendedora gritou algo que não entendemos inicialmente, mas depois
percebemos que tínhamos de dar dinheiro a quem tinha apanhado o ladrão. A Elisa
tinha apenas umas moedas, mas a tal vendedora inflamadora das massas começou a
gritar que não chegava e tinha de dar mais, no que foi secundada por outras
vendedoras. No meio de uma algazarra intimidadora, rapidamente fomos cercados
por todos os lados com a exigência de aumentarmos a recompensa.
Então eu, que tinha estado a acumular nervos
atrás de nervos, passei-me dos carretos e resolvi agir. Abri os braços,
levantei-os bem alto e gritei o mais alto que pude:
“Esta
senhora…” Aí, todos se calaram e olharam para mim, que era o que eu queria.
Recomecei a gritar: “Esta senhora é médica. Está a trabalhar no Hospital de Bissau e é
voluntária. Não ganha nada. Não recebe dinheiro. Ok?”
Aproveitando o silêncio que se instalou,
acrescentei: “Eu sou professor de
Português e estou a dar aulas a jovens guineenses no Centro Cultural Português.
Não ganho nada. Não recebo dinheiro. Ok? Estamos aqui para ajudar e não para
ganhar dinheiro. Ok?”
O facto de eu ser professor não impressionou
ninguém, mas o exercício da medicina sim, pois começaram logo a perguntar às
minhas colegas: “Estar no hospital?
Estar no hospital?”.
A Rosário, que já tinha tirado
carteira da mão da Edite e a tinha guardado, dizia “Vamos embora, vamos embora!”. Várias pessoas seguiam-nos, agora com
ar de admiração, e eu ia continuando a explicar que éramos voluntários e que
não recebíamos.
Finalmente, saímos do mercado e adiámos a
conclusão das compras para o tal caldo de peixe. Caldinho, já tínhamos que
chegasse para uma tarde…
Uma coisa é inegável: em Portugal, nunca o
fio teria sido recuperado!
P.s.: Quanto à vendedora
de bananas, nunca mais a vimos. Perdeu o negócio com o desenrolar dos
acontecimentos.
Abraço.
António
ResponderEliminarAntonio, nao te largo a cachimonia (sera que se escreve assim?) enquanto nao escreveres um livro
Cachimónia está certíssimo! ;)
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