"Ó cabrinha, para onde vais? Vê lá..."
O convívio com os meus colegas de missão foi
umas das coisas muito boas da minha aventura. Primeiro com o
António Raposo (fuzileiro) e depois com a Edite (médica) e a Rosário
(enfermeira). Todos pessoas bem-formadas e com sentido de humor. E tão ou
mais destravados do que eu. Talvez a Edite seja a mais ajuizada, mas não tenho
a certeza…
Se a condução do António esteve dentro dos
padrões expectáveis, os casos da Rosário e da Edite merecem que me alongue na
análise.
A Rosário a conduzir na capital era um
sucesso: agarrava-se ao volante, cerrava os dentes, fulminava com o olhar quem
se apresentasse à esquerda ou à direita (que em Bissau vêm carros de as
direções), apitava, punha o pé no acelerador e lá íamos nós em
direção à embaixada e ao hospital. Os (e as) polícias, quando ela se aproximava,
quase sempre a mandavam avançar. Acho que tinham era medo dela! Quando algum
táxi lhe apitava, não ficava sem resposta. "Porque é que me estás a
apitar?", questionava ela, indignada. "Agora é que não passas!"
E não passava mesmo!
"Porque é que me estás a apitar?"
Com a Edite era diferente. Conduzia sobretudo
quando saíamos de Bissau. Condução serena e sensível.Também falava, mas era diferente.
Se via uma criança a caminhar na berma,
enchia-se de preocupação. "Então miúdo, onde vais?" Se lhe dizíamos
que a dita criança só ia ao longo da estrada, não desarmava: "Mas pode
mudar de direção a qualquer momento!"
Certamente influenciada pela crença (predominante no país) que atribui uma alma a cada elemento da natureza, dispensava aos animais um carinho
especial: "Ó porquinho (tb cabrinha, cãozinho, patinho, pintinho...) para
onde vais? Vê lá." Quando passávamos por galinhas que desatavam a correr
em todas as direções, afligia-se mais e dizia-nos (a mim e à Rosário):
"Olhem lá pra trás. Estão bem? Estão bem?" O "estão bem"
referia-se às galinhas e não a nós...
Abraço.
António
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